Renata Banhara fica sem convênio durante tratamento médico (Foto: Acervo pessoal)
Eu era casada e estávamos juntos desde 2012. Meu ex-marido foi um excelente companheiro e antes da minha doença a gente nunca brigava. Ele é politizado, estudado, muito fino e éramos uma família feliz: eu, ele, meus dois filhos e a filha dele.
No final de 2015, comecei a sentir fortes dores de cabeça, até que em fevereiro de 2016, meu rosto derreteu, ficou deformado. Fui a um hospital e disseram que era uma alergia. Só em abril, no hospital Albert Einstein, após passar por diversos patologistas, fui diagnosticada com uma infecção generalizada causada por uma bactéria que estava alojada no dente.
Descobriram que um canal que fiz carregava uma infecção de bactérias há 7 anos. Ela se iniciou na raiz desse dente e ficou alojada no maxilar. Tem uma corrente de oxigenação que leva tudo para a cabeça, perto do cérebro, e levou as bactérias para todo lado.
Fui internada em estado gravíssimo e logo operaram o lado direito. No mesmo final de semana, o lado esquerdo da cabeça e o joelho também passaram por cirurgia. Essa bactéria gosta das juntas do corpo, então tive que fazer várias punções. No ano seguinte, foram idas e vindas do hospital, mas eu ia sozinha, de Uber. Minhas idas ao hospital eram tidas como frescura pelo meu ex-marido.
Fui operada às pressas e, quando voltei para casa, a primeira coisa que meu então marido fez foi jogar todos os remédios fora e dizer que eu não tinha nada. “Inclusive, estou com fome. Quero jantar”, disse ele em seguida. E eu fui para o fogão totalmente anestesiada. Fiz uma sopa para ele, levei na bandeja, com um guardanapo. Quando deitei na cama, ele falou: “Você não vai fazer comida para o seu filho?”. Voltei e fiz de novo. Ovos mexidos e pipoca.
Não comi, não jantei e deitei. Só estou tendo consciência disso agora, porque nunca falei para ninguém. Era eu que precisava de um banho, medicações e comida.
Meus filhos não sabiam de nada. Eles liam sobre a infecção na mídia e eu falava que era mentira, queria protegê-los. Meu filho mais velho estava na fase de prestar vestibular, não queria prejudicá-lo. O caçula foi morar com o pai, Frank Aguiar, quando fui internada pela primeira vez. Já a filha do meu ex foi morar com a mãe, nos Estados Unidos.
Minha doença matou a relação. Ele casou com a Renata Banhara que era útil para a filha dele, nas funções do lar, e nas questões femininas para a sobrevivência dele.
Os abusos eram de todos os tipos. Ele abriu as janelas e falou: “Pula”. Não encostou em mim, só falou para pular. “Você está muito triste”, ele dizia. Antes disso, me consultei com uma psiquiatra. As dores que eu sentia eram tantas que eu queria ir embora, mas não era um caso típico de suícidio.
Renata Banhara e o rosto inchado durante processos inflamatórios da infecção no rosto (Foto: Acervo pessoal)
A psiquiatra explicou: como a dor era muito forte, nem os calmantes davam conta, era só o desejo de acabar com isso. Depois de mais de três meses com dor, o ser humano corta os neurotransmissores, a serotonina, toda a anfetamina, toda a alegria. Seu cérebro fica preto.
Eu me culpei muito por estar feia, deformada e por ter engordado, mas, quando não estava no hospital, colocava um pijaminha bonito, um brinquinho e fazia as tarefas do lar mesmo com a dor. Olho para trás e vejo que fui vítima de uma grande violência psicológica.
Renata em uma das internações no hospital Albert Einstein (Foto: Acervo pessoal)
No começo de 2018, fiquei sabendo por meio de funcionários da nossa casa que, quando eu ficava internada, ele levava uma outra mulher para lá. Eu não culpo a menina.
Depois de uns dias com o coração apertado, olhei nos olhos dele e contei que sabia. Em seguida, ele me deu um soco. Meu filho mais velho estava em casa e me protegeu das agressões. Foi ali que decidi me separar.
Meu ex-marido me tirou do convênio em um ato de crueldade
Descobri em janeiro de 2018, quando fui ao hospital, depois que ele me bateu. Primeiro passei no IML e segui para o pronto socorro, foi aí que avisaram que o convênio tinha sido cortado.
O SUS me atende normal: hospitais cheios e médicos tentando fazer milagre. São clínicos gerais que não atendem meu caso específico, mas me dão paliativos. A primeira vez que fui no pronto-socorro, um monte de gente postou na internet que meu lugar não era ali. Mas meu lugar é ali, sim. Estou desempregada, sem convênio e doente, tenho direito.
Tomo antibióticos, corticóides e calmantes. Tem muito líquido de 2015 para sair ainda, mas as bactérias estão voltando. O lado esquerdo do meu rosto está totalmente concretado. Fiquei com fibromialgia e tenho fortes crises de dor.
Eu sou ativista contra a violência doméstica há muitos anos, mas eu esqueci do principal: o 180. A violência psicológica é muito mais grave que a física. Minha violência física durou 1h40, a psicológica já dura há mais de dois anos e eu nunca vou esquecer. Aos 43 anos, sempre falando sobre violência, esqueci o principal: procurar ajuda.
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